É decepcionante semear em terra seca, ter o desejo de ver a vida florescer onde o solo não permite. Paciência, paciência, dizem alguns. O tempo urge, dizem outros. Eu ainda não sei para qual dos dois lados eu vou. Já examinei o passado de trás para frente, frente e verso e nessas idas e vindas, no desdobramento das ideias e do corpo venci alguns abismos, escalei algumas montanhas, para então deitar-me confortavelmente em minha cama, de lado, abraçando os joelhos, na tentativa vã de, quem sabe, voltar ao útero. Dorme, minha filha, ouço uma voz dizendo ao longe. Hoje, porém, a noite é longa, os abismos são mais profundos, as montanhas maiores e no pensamento resta uma sensação mista de resignação e de certa urgência do tempo. Minhas mãos, laboriosamente teceram uma colcha de retalhos de afeto, sonhos, casualidades, planos, alegrias, dificuldades, cerveja, pãezinhos e almoços de domingo. Vi que ela estava a puir no pedacinho mais bonito. Peguei, então, uma tesoura, acabei com todo o trabalho, e dos pedaços espalhados, fiz uma fogueira. Sobraram apenas cinzas.
Sou como a água da represa calma e contida em seu
cantinho, mas quando a barragem rompe tudo é alagado, tudo é destruído. Sou
como a água do mar sob a interferência gravitacional da lua, maré cheia e maré
baixa. Sou como a água do rio, doce, terna e sempre pronta para alimentar a
vida ao seu redor. Sou como a água da cachoeira, em queda livre, para seguir o
seu destino, presentear o mundo com um arco-íris e lavar a alma daqueles que a
procuram. Sou como a água da chuva que refresca os dias quentes de verão, mas,
às vezes, viro tempestade. Sou água, porque a água tem poucos obstáculos intransponíveis,
ela os contorna rápido ou corrói pacientemente. Água mole em pedra dura tanto
bate até que fura, não é? Bom, nem sempre, a água mole só não vence mesmo um
homem vazio de coração de pedra. Sou
água porque é dela que vêm os sonhos, a intuição e a capacidade de amar. Por
ser água tenho a minha frente um número incontável de possibilidades, oscilei
entre duas: ficar ou partir. É provável que com o calor do sol eu me deixe
evaporar, para então virar a nuvem que moldará a minha nova forma. Quero
evaporar livre de todos os males, pois da mesma forma que a fênix ressurge das
cinzas, assim são as gotas d’água que caem das nuvens no céu.
É importante ser água num mundo tão seco, tão
plástico, recheado de egoísmo e prazeres artificiais. Gosto do que é belo, da
gentileza e do carinho, mas cuspo na cara da boa educação, raspo a cera da mesa
para que todos vejam a madeira como ela é. Não simpatizo com a mentira, não
suporto traições. Sou avessa às tecnologias, ao que é moderno, aos modismos e a
todas as tentativas vãs do homem fugir da sua essência. Repito como um mantra a
frase de Chaplin: não sois máquina! Homens é que sois! Meus planos e sonhos são
simples, um pouco de paz e segurança para partilhar com alguém. Gosto de ser um
dos quatro elementos básicos da natureza, pois terra, fogo, água e ar estão aí,
desde que o mundo é mundo, essencialmente intactos, fiéis a si mesmos e à sua
missão no mundo, e dentre eles, escolhi ser água, porque sem água a terra é
seca, o fogo se alastra e tudo consome, e nem o ar se respira direito. Sou
água, porque sem água não há vida. Às favas, você, homem sem alma! É preferível
ter um coração de água mole a ter um coração de pedra dura.
Nenhum comentário:
Postar um comentário