sábado, 19 de outubro de 2013

Os ativistas já estavam lá há muito tempo



          

         Posso afirmar que os recentes eventos ocorridos no Instituto Royal tomaram uma visibilidade e proporção maior que os próprios ativistas esperavam. Eles, ativistas, já estavam lá muito tempo antes das manifestações e do ato que culminou em gaiolas abertas, canis vazios e muitos snoopys a procura de um lar distante do ambiente hostil de um laboratório. Digo que os ativistas já estavam lá muito antes de estarem fisicamente, pois há muito tempo buscam debater e divulgar o significado da vivissecção e seus desdobramentos em nosso mundo, não apenas para os animais, mas principalmente para os seres humanos. São os animais que tem o corpo aberto, mutilado, deformado, mas quem pratica todos esses atos somos nós, seres humanos. Podemos praticá-lo com o discurso nobre de que é um mal necessário, pois se não fosse dessa forma, a descoberta do tratamento e cura de muitas das doenças que afligem os nossos companheiros de espécie não teriam sido descobertas e muitas outras não serão, caso animais não sejam mais usados em atividades de pesquisa. E quem sabe não seja você mesmo uma dessas pessoas a precisar de um desses tratamentos, ou sua mãe, seu filho ou irmão. Nós, no entanto, continuamos praticando esse ato de crueldade chamado vivissecção por motivos bem menos nobres como deixar a casa cheirosa com nossos produtos de limpeza ou tornar a pele macia e parecer dez anos mais jovem com as últimas invenções da indústria cosmética.
A grande notícia para os desavisados é que métodos substitutivos já existem, sendo apontados inclusive, em diversos casos, como mais eficientes do que a vivissecção. Os ativistas têm acompanhado os debates acerca de alternativas e métodos substitutivos aos testes em animais, da mesma forma que pressionam as autoridades para que tenhamos leis e ferramentas mais eficazes para punir os crimes de maus tratos contra animais. Eles têm dialogado com seus semelhantes para que consigamos passar a ver os animais realmente como seres e não como propriedade, por isso, há muito tempo já estavam lá no Instituto Royal e tantos outros espaços semelhantes que existem por aí. 
 É um tema polêmico, sem dúvidas, e que suscita entre as pessoas debates apaixonados e opiniões muito diferentes. Voltando um pouco na linha do tempo podemos encontrar temas que causaram reações semelhantes, tudo porque nós humanos não conseguimos viver sem o que denominamos moral e ética, sendo que ambas dependem do tempo, do espaço, e da relação que as pessoas estabelecem entre si, adquirindo contornos diversos em cada época, lugar e cultura existente. O conceito de moral está relacionado aos costumes, às regras que seguimos diariamente sem pensar muito a respeito, é o que sabemos intuitivamente estar certo ou errado. Já a ética pode surgir como uma espécie de crítica a nossa moral, da investigação dos nossos comportamentos e valores, para que de forma racional sejamos capazes de direcionar o nossos valores. É certo que nós nos afogamos no cotidiano, no nosso universo conhecido e temos uma certa dificuldade a nos abrir para novidades, ainda que o futuro prove ser algo muito positivo para nossa vida. Certa vez ouvi uma história sobre a invenção do telefone. Quando Graham Bell inventou o telefone e foi mostrar sua descoberta, disseram-lhe que aquilo era realmente muito interessante, mas que seria algo totalmente inútil visto que no mundo já havia telégrafos, que eram meios de comunicação excelentes e que já havia trens que tornavam as viagens e os contatos entre as pessoas muito mais rápidos. De forma semelhante quando os Beatles surgiram havia quem pensasse que as bandas de rock seriam uma moda passageira, e que não valia a pena investir em mais uma delas. Eu agradeço todos os dias por existir quem pensasse o contrário, porque o Abbey Road e o White Album são alguns dos melhores discos que eu já ouvi. 
Nós, seres humanos, também temos uma dificuldade muito grande em lidar com as diferenças, ainda que os diferentes sejam a maioria entre nós. Valorizamos tanto os nossos semelhantes e sequer pensamos em que tipo de semelhantes gostaríamos de ter. Um médico que desdenha um animal porque ele não é importante, e o trata como simples ferramenta, pode pensar também que um homem pobre não é importante, pois existem tantos outros por aí. Alguns escândalos no serviço público de saúde podem nos levar a pensar algo assim. Reconhecer que os animais merecem respeito, que sua integridade física deve ser preservada e que os maus tratos contra eles praticado não deve ser considerado menor do que aqueles praticados contra uma pessoa, é reconhecer que todos fazemos parte da mesma terra e que aquilo que é feito com o outro me diz respeito também, altera a minha vida e daqueles ao meu redor.
Tenho fé nos sonhadores e nas maravilhas causadas pelas transformações do tempo. Os ativistas que levaram os cães do Instituto Royal podem ser acusados de furto, visto que aqueles cães eram uma propriedade da empresa, e que esta teria o direito de fazer o que quisesse com as suas propriedades. Quem sabe o evento seja o indício de que cães não são bens móveis, contradizendo as outras afirmações, pois quem tem um cão em casa sabe das necessidades físicas e de afeto que esse animal possui. A própria ideia de propriedade é bastante interessante aqui, lembro-me de ler durante o meu curso de história a Constituição de 1824, e não havia nela sequer uma linha que mencionasse a palavra “escravo”, até porque quando ela foi redigida isso não foi considerado necessário. Todas as questões relativas à escravidão eram resolvidas através da ideia de propriedade, levou muito tempo para que o nosso país reconhecesse algo tão óbvio como o fato de que pessoas não são propriedades, creio que de agora em diante o nosso desafio é provar que os demais seres vivos também não são.