sábado, 31 de maio de 2014

Parabéns

              

              Leon, hoje (22/01/2014) seria o seu aniversário de 23 anos. Só posso dizer que com o passar do tempo nunca deixei de pensar em você, imagino todas as conversas que teríamos, o riso, as lágrimas, as broncas e os conselhos. O que você estaria fazendo hoje? Continuaria lutando Taekwondo? Estaria namorando? Teria filhos? Seria um ativista, também defendendo o meio ambiente? Seguiria a profissão da família? E, no seu quarto, ainda teriam aqueles adesivos na janela, o relógio do Garfield e os cavaleiros do zodíaco como decoração? Continuaria adorando os games? Andaria por aí de chinelos havaianas, camisetas e shorts com todas as suas cores chamativas? Ainda teria medo do escuro? Tocaria gaita? Faria parte de uma banda? E, com a sua criatividade, seria um escritor? Teríamos em casa a visita dos seus incontáveis amigos? Continuaria dando aquelas respostas inteligentes para as pessoas? Gostaria de brócolis? Ainda comeria arroz com feijão como se fosse a melhor comida do mundo? Curaria a sua asma? Teria a mesma coragem?
          São infinitos questionamentos para os quais jamais teremos uma resposta. São também infinitas as lembranças e nelas existe um pedacinho de você espalhado pelo mundo. Eu me lembro da professora sempre querendo falar com a mãe porque você tinha aprontado alguma coisa. Eu me lembro da televisão sempre ligada nos desenhos. Eu me lembro das imitações do Darth Vader e do Poderoso Chefão. Eu me lembro dos brinquedos espalhados pela casa, que incentivavam a sua imaginação. Eu me lembro das vezes que estudei história junto com você. Eu me lembro do barulho do teclado do computador, você digitava rápido demais. Eu me lembro de quando você pediu para doar a sua mesada para o Greenpeace. Eu me lembro de quando você desenvolveu um péssimo gosto para música e começou a querer frequentar micaretas. Eu me lembro de você fugindo de uma menina porque não queria ficar com ela. Eu me lembro do seu idealismo de quem achava que poderia consertar o mundo. Eu me lembro do seu jeito de cativar as pessoas. Eu me lembro... eu me lembro...
           Você poderia ter ficado por aqui um pouco mais, sentimos muito a sua falta. Dê notícias, aí do outro lado, quando puder. Sei que é difícil, com tanta gente bacana que partiu, os canais de comunicação, aqui, devem estar congestionados. É bom ter a certeza de que boa companhia aí não falta. Mande um abraço para o Vô Duarte e para o Vô Gil. Hoje, seria o seu aniversário, mas somos nós que envelhecemos um pouco mais a cada dia. Você jamais envelhecerá. Será para sempre menino, para sempre amado. Para sempre...

quarta-feira, 21 de maio de 2014

Devaneios da madrugada

          Hoje, 22 de maio de 2014, às 02:20 da manhã, eu, bêbada, escuto ao longe uma música brega que toca no rádio e me lembra o dia em que eu procurava constelações, mas a lua minguando no céu, me lembra: algo está a morrer. Tenho algumas preocupações, algumas contas a pagar, mas, hoje, apenas respiro. Quando o coração fica parecendo uma britadeira é bom respirar, respirar para que o mundo todo não entre em colapso e você não se quebre em mil pedaços. Há um espaço vazio em minha cama, há um espaço vazio em meu coração. Há um nó na garganta e outro na cabeça: por quê, afinal de contas? Um imperativo responde: "Tem que ser assim, o tempo não volta". É aí, que nem a linguagem, nem o corpo, nem a cabeça e nem o coração conseguem se entender mais.

segunda-feira, 19 de maio de 2014

Água mole



 É decepcionante semear em terra seca, ter o desejo de ver a vida florescer onde o solo não permite. Paciência, paciência, dizem alguns. O tempo urge, dizem outros. Eu ainda não sei para qual dos dois lados eu vou. Já examinei o passado de trás para frente, frente e verso e nessas idas e vindas, no desdobramento das ideias e do corpo venci alguns abismos, escalei algumas montanhas, para então deitar-me confortavelmente em minha cama, de lado, abraçando os joelhos, na tentativa vã de, quem sabe, voltar ao útero. Dorme, minha filha, ouço uma voz dizendo ao longe. Hoje, porém, a noite é longa, os abismos são mais profundos, as montanhas maiores e no pensamento resta uma sensação mista de resignação e de certa urgência do tempo. Minhas mãos, laboriosamente teceram uma colcha de retalhos de afeto, sonhos, casualidades, planos, alegrias, dificuldades, cerveja, pãezinhos e almoços de domingo. Vi que ela estava a puir no pedacinho mais bonito. Peguei, então, uma tesoura, acabei com todo o trabalho, e dos pedaços espalhados, fiz uma fogueira. Sobraram apenas cinzas.
Sou como a água da represa calma e contida em seu cantinho, mas quando a barragem rompe tudo é alagado, tudo é destruído. Sou como a água do mar sob a interferência gravitacional da lua, maré cheia e maré baixa. Sou como a água do rio, doce, terna e sempre pronta para alimentar a vida ao seu redor. Sou como a água da cachoeira, em queda livre, para seguir o seu destino, presentear o mundo com um arco-íris e lavar a alma daqueles que a procuram. Sou como a água da chuva que refresca os dias quentes de verão, mas, às vezes, viro tempestade. Sou água, porque a água tem poucos obstáculos intransponíveis, ela os contorna rápido ou corrói pacientemente. Água mole em pedra dura tanto bate até que fura, não é? Bom, nem sempre, a água mole só não vence mesmo um homem vazio de coração de pedra.  Sou água porque é dela que vêm os sonhos, a intuição e a capacidade de amar. Por ser água tenho a minha frente um número incontável de possibilidades, oscilei entre duas: ficar ou partir. É provável que com o calor do sol eu me deixe evaporar, para então virar a nuvem que moldará a minha nova forma. Quero evaporar livre de todos os males, pois da mesma forma que a fênix ressurge das cinzas, assim são as gotas d’água que caem das nuvens no céu.
É importante ser água num mundo tão seco, tão plástico, recheado de egoísmo e prazeres artificiais. Gosto do que é belo, da gentileza e do carinho, mas cuspo na cara da boa educação, raspo a cera da mesa para que todos vejam a madeira como ela é. Não simpatizo com a mentira, não suporto traições. Sou avessa às tecnologias, ao que é moderno, aos modismos e a todas as tentativas vãs do homem fugir da sua essência. Repito como um mantra a frase de Chaplin: não sois máquina! Homens é que sois! Meus planos e sonhos são simples, um pouco de paz e segurança para partilhar com alguém. Gosto de ser um dos quatro elementos básicos da natureza, pois terra, fogo, água e ar estão aí, desde que o mundo é mundo, essencialmente intactos, fiéis a si mesmos e à sua missão no mundo, e dentre eles, escolhi ser água, porque sem água a terra é seca, o fogo se alastra e tudo consome, e nem o ar se respira direito. Sou água, porque sem água não há vida. Às favas, você, homem sem alma! É preferível ter um coração de água mole a ter um coração de pedra dura. 

segunda-feira, 12 de maio de 2014

É inverno e você está nu

É inverno e você está nu
Do frio, você tudo espera
Em sua nudez, tudo se mostra
O seu coração tudo dilacera
Porque é inverno e você está nu
Em nenhum jogo você aposta

É inverno e você está nu
Caminha pela rua, perdido
Um homem lhe oferece cachaça
Você recusa como um orgulhoso mendigo
Porque é inverno e você está nu
Uma pequena gentileza não basta

É inverno e você está nu
Entre esquinas e bares as pessoas se divertem
Alguns amigos, algumas luzes e cores
Os amores que eles preferem
Porque é inverno e você está nu
Não existem mais flores

É inverno e você está nu
Assim, como veio ao mundo
Mas sem colo de mãe, sem abrigo
À noite, seus olhos vagueiam no escuro
Porque é inverno e estamos ambos nus
Sente-se à mesa, converse comigo...