Há quem compare a vida à uma viagem. Eu, porém, discordo dessa perspectiva. Não se trata de chegadas e partidas, ou do assento no ônibus, trem ou avião. Eu geralmente me sinto incomodada quando um desconhecido vem puxar conversa comigo nessas ocasiões, salvo raras exceções. Não se trata também de bagagem, pois experiências, pessoas e sentimentos não são, ou pelo menos não deveriam ser, bagagem; se assim fosse, nós seríamos semelhantes à personagem de García Márquez que carrega um saco de ossos em Cem Anos de Solidão. Não, não é isso. Não se trata também de espaço e tempo, essas coisas racionalizáveis e mensuráveis da vida cotidiana. A vida é, antes disso, mágica. É um mistério infindável presente em todo amanhecer, em cada passo, em cada palpitar do coração, e que se descortina em gestos, toques, olhares e palavras, nas pequenas palavras de preferência.
A dinâmica da vida não é lá muito diferente da dinâmica da
amizade, essa parte imprescindível dela. Os aquarianos sabem intuitivamente o
que é isso, e por isso costumam ter amigos dos mais diferentes tipos possíveis
nos lugares mais diversos possíveis. E eu aprendi como funciona a amizade ainda
quando era criança, e quem me ensinou foi meu irmão aquariano. Devido a uma
deficiência no sangue, o médico recomendou que ele comesse diversos legumes e
verduras e, dentre eles, o seu favorito era brócolis. Por conta disso ele
construiu uma forma curiosa de conhecer as pessoas nessa época. Toda vez que
uma pessoa nova lhe era apresentada ele dizia, “Oi, tudo bem? Você gosta de
brócolis?”. A essa pergunta normalmente
se seguia um olhar de estranhamento e uma resposta, “O que?”. E ele então
explicava, “É, brócolis, você gosta de comer brócolis?”. Se a pessoa
respondesse que sim, ele imediatamente a olhava com admiração, pois ela fazia
parte do seleto grupo dos comedores de brócolis e, portanto, poderia ser sua
amiga.
Essa é, para mim, a forma mais simples de explicar como nasce
uma amizade. Reconhecemos parte de nós em alguém e dessa forma temos algo a
compartilhar, pois, como já disse o meu poeta favorito, ninguém vive só e nem
para si mesmo. Como nós podemos reconhecer apenas parte de nós nos outros e
nunca a totalidade, pois assim diluiríamos a nossa própria identidade no outro,
deixando a nossa própria vida com gosto de nada, temos amigos diferentes para
dividir certos assuntos e experiências. Se, por um acaso, a mágica que te
encanta mudar, os amigos mudam também. Costumamos preservar algumas das velhas
amizades da mesma maneira que guardamos velhas fotografias. São boas lembranças
que gostamos de visitar de vez em quando, no entanto aqueles lá na foto não
somos mais nós. São amáveis conhecidos, dos quais nos despedimos de alguma
forma, em algum momento. Para estes, eu aceno de longe e desejo a felicidade,
mostrando também o meu sentimento de gratidão por um dia termos flutuado dentro
dessa bolha de ar aconchegante chamada amizade.
Dentro de tudo que me encanta agora, surgiram novas amizades,
digo reconheci novos amigos, para os quais eu deixo um abraço, uma mensagem in
box no facebook e um telefonema de final de semana, pois certamente nos
encontraremos na próxima cerveja, no próximo churrasco ou pizza, quem sabe numa
balada bacana ou programa de índio, não importa onde, nem como, nos veremos em
breve. Espero que algum dia eles sejam como aqueles, sabe? Porque existem
aqueles para quem eu poderia dedicar horas e horas, e à medida do possível
dedico, quando os compromissos que são necessários e me aborrecem não conseguem
me atrapalhar. Aqueles que sempre tem algo interessante a dizer, dos quais
conhecemos as previsibilidades e imprevisibilidades, mas jamais falam clichês,
pois guardam conosco uma conexão de tipo raro. A estes deixo um bocado de
lembranças e mais um tanto de expectativas.
Rafa Lungwitz, que me conhece desde o tempo em que os amigos
tocavam a campainha da casa dele e saíam correndo, um amigo de ler cartas de tarô,
de ser divertido, de acompanhar as diferentes fases da minha vida, mesmo que a
distância. Do mesmo jeito eu conheci o João, com quem posso conversar e rir
muito, principalmente rir, depois de muito tempo sem vê-lo. Nesse muito tempo
atrás eu conheci também o Henrique, com quem compartilho o meu jeito desligado,
e a Márcia, sempre inteligente e atenciosa no seu jeito discreto de ser. Antes
disso, conheci a Raquel, sempre companheira, com quem compartilhei histórias e
histórias de família e que, agora, está ela mesma formando sua própria família.
Outros tempos, outra cidade, outros amigos espalhados por aí,
pode ser muito difícil reencontrá-los pessoalmente, digo pode, porque o destino
tem dessas de nos surpreender de vez em quando. É o que aconteceu com a Andrea,
que conheci em outro Estado, em meio a muitas novidades e que, quase dez anos
depois eu vim reencontrar aqui, nessa terra onde nasci, e por fim viemos morar
nesse mesmo “Jambalaia Ocean Drive”, que foi o apelido carinhoso e ao mesmo
tempo esculachado que demos ao condomínio onde moramos e compartilhamos os
perrengues e alegrias do dia-a-dia. Falando em dia-a-dia foi dessa forma que
conheci a Cris, a moça que tem a solução para todos os problemas e sabe
consertar todas as coisas e que, na sua seriedade tem bons conselhos para dar,
embora nem sempre eu os siga. Por aqui também conheci o Luis, o amigo que
compartilha meu gosto por comida, ainda que não vegetariano, meu amigo de festas
e de fé.
Tem ainda aqueles que estão distantes, mas que se continuam
próximos depois da invenção da internet e das ligações de 25 centavos da tim.
André Gheti, meu amigo de rock’n’roll e longas conversas sobre filosofia,
literatura, história ou Freud, uma amizade que surgiu em meio a muitos jogos de
war, muitos discos e um longo tempo de vizinhança. Gabi, com quem eu posso
compartilhar todo tipo de ideia nonsense, passando pelos percalços do coração e
terminando por falar de teorias da física e de astronomia, tudo isso depois de
falar da última balada, ou quem sabe, estar nela. Nilcéia, minha amizade mais
inusitada, não nos parecemos e compartilhamos tudo. Thiago Alboreto, apelidado
dedo, pra falar sobre arte, muita, muita arte, pra cerveja, muita, muita
cerveja. Usei tanto muito pra caracterizar a personalidade marcante desse meu
amigo, que nos acompanhava, eu e Gabi, nas conversas nonsense, pra no final das
contas dizer coisas bonitas que tocam o fundo da alma. Exagero! Só que
exagerada mesmo é a Helô no glamour e na decadência de Heleninha Roitman, como
ela mesma lembrava, ainda assim sem perder a elegância.
Não existe uma pirâmide da amizade na qual alguém estaria no
topo, mas a mais parecida comigo é a Jeniffer, bom nem tanto assim, digamos que
ela seria a minha versão, infinitamente mais paciente. É pra quem eu ligo
quando acontece algo inusitado, ou quando eu preciso de um conselho, ou ainda
quando estou entediada. É a amiga de compartilhar literatura, da boa, e bons
filmes, clássicos ou não, que já ouviu quase todos os meus vinis, com quem eu
já tomei muitos cafés, um hábito que começou na companhia da Vivi. Nem vou falar
das alegrias e desilusões, pois nem são tão absurdas assim, acho que queremos o
que a maioria das pessoas quer, da nossa maneira excêntrica.
Agora a minha ideia faz realmente sentido. Não, a vida não é
uma viagem e as pessoas não são bagagem. Amigos não são bagagem, não são para
ser carregados com as mãos, para pesar e se abandonar na estação ou no canto de
um quarto qualquer, como fazemos com as malas. Amigos pertencem ao coração,
pois como diz a música, “eu sou, eu sou,
eu sou amor da cabeça aos pés”.
Estou emocionada Flavia, principalmente pela menção ao brócolis,afinal gente que é gente gosta de brócolis, não é mesmo? Brócolis faz parte do cardápio dessa canceriana carnívora que teve a felicidade de colocar nesse planeta três seres tão distintos um do outro e tão amados. Penso que a vida é um pouco de tudo : viagem, experiência, aprendizado. Os amigos realmente não são bagagem, mas todos sabemos que estarão conosco sempre, mesmo separados temporariamente pelo tempo e espaço. Relacionamentos eternos nessa transitoriedade que chamamos vida ( refiro-me agora a vida orgânica ) e porque são eternos, certamente reencontramos aqui e ali e os reconhecemos sempre, porque nada é por acaso. Te amo !
ResponderExcluirSó tenho uma coisa a dizer: GENIAL! como todos os outros que vc escreve! Entretanto, esse tem um gostinho especial: o da amizade. Durante muito tempo cultivei e ainda cultivo amigos raros, daqueles que não encontramos em "caixinhas de sabão em pó" ou "rótulos de copos de pomarola", e vc certamente é uma dessas amizades que eu encontrei, vivi, ainda vivo e levarei forever baby! Obrigada por tanta coisa...pelo material e por aquilo que só a gente sabe, só a gente viveu, e que vamos guardar até o dia em que a vida nos permitir!
ExcluirConta comigo e com a gente aqui de casa SEMPRE!
Amo vc! Desse jeito assim!
Ah, mais uma coisa: ninguém nunca descreveu a Cris tão, tão, taaaaaão perfeitamente!! rs
Beijo!
Puxa vida, Flávia!
ResponderExcluirOlha só o que eu achei digitando o meu nome no Google?!
Com mais de 2 anos de atraso... mas foi muito bonito ler seu texto.
Lembro com muita saudade desses discos, cafés, wars, rock'n'roll e muita conversa!
Sucesso para você!
Beijos