quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Porque a vida não é uma viagem





Há quem compare a vida à uma viagem. Eu, porém, discordo dessa perspectiva. Não se trata de chegadas e partidas, ou do assento no ônibus, trem ou avião. Eu geralmente me sinto incomodada quando um desconhecido vem puxar conversa comigo nessas ocasiões, salvo raras exceções. Não se trata também de bagagem, pois experiências, pessoas e sentimentos não são, ou pelo menos não deveriam ser, bagagem; se assim fosse, nós seríamos semelhantes à personagem de García Márquez que carrega um saco de ossos em Cem Anos de Solidão. Não, não é isso. Não se trata também de espaço e tempo, essas coisas racionalizáveis e mensuráveis da vida cotidiana. A vida é, antes disso, mágica. É um mistério infindável presente em todo amanhecer, em cada passo, em cada palpitar do coração, e que se descortina em gestos, toques, olhares e palavras, nas pequenas palavras de preferência.
A dinâmica da vida não é lá muito diferente da dinâmica da amizade, essa parte imprescindível dela. Os aquarianos sabem intuitivamente o que é isso, e por isso costumam ter amigos dos mais diferentes tipos possíveis nos lugares mais diversos possíveis. E eu aprendi como funciona a amizade ainda quando era criança, e quem me ensinou foi meu irmão aquariano. Devido a uma deficiência no sangue, o médico recomendou que ele comesse diversos legumes e verduras e, dentre eles, o seu favorito era brócolis. Por conta disso ele construiu uma forma curiosa de conhecer as pessoas nessa época. Toda vez que uma pessoa nova lhe era apresentada ele dizia, “Oi, tudo bem? Você gosta de brócolis?”.  A essa pergunta normalmente se seguia um olhar de estranhamento e uma resposta, “O que?”. E ele então explicava, “É, brócolis, você gosta de comer brócolis?”. Se a pessoa respondesse que sim, ele imediatamente a olhava com admiração, pois ela fazia parte do seleto grupo dos comedores de brócolis e, portanto, poderia ser sua amiga.
Essa é, para mim, a forma mais simples de explicar como nasce uma amizade. Reconhecemos parte de nós em alguém e dessa forma temos algo a compartilhar, pois, como já disse o meu poeta favorito, ninguém vive só e nem para si mesmo. Como nós podemos reconhecer apenas parte de nós nos outros e nunca a totalidade, pois assim diluiríamos a nossa própria identidade no outro, deixando a nossa própria vida com gosto de nada, temos amigos diferentes para dividir certos assuntos e experiências. Se, por um acaso, a mágica que te encanta mudar, os amigos mudam também. Costumamos preservar algumas das velhas amizades da mesma maneira que guardamos velhas fotografias. São boas lembranças que gostamos de visitar de vez em quando, no entanto aqueles lá na foto não somos mais nós. São amáveis conhecidos, dos quais nos despedimos de alguma forma, em algum momento. Para estes, eu aceno de longe e desejo a felicidade, mostrando também o meu sentimento de gratidão por um dia termos flutuado dentro dessa bolha de ar aconchegante chamada amizade.
Dentro de tudo que me encanta agora, surgiram novas amizades, digo reconheci novos amigos, para os quais eu deixo um abraço, uma mensagem in box no facebook e um telefonema de final de semana, pois certamente nos encontraremos na próxima cerveja, no próximo churrasco ou pizza, quem sabe numa balada bacana ou programa de índio, não importa onde, nem como, nos veremos em breve. Espero que algum dia eles sejam como aqueles, sabe? Porque existem aqueles para quem eu poderia dedicar horas e horas, e à medida do possível dedico, quando os compromissos que são necessários e me aborrecem não conseguem me atrapalhar. Aqueles que sempre tem algo interessante a dizer, dos quais conhecemos as previsibilidades e imprevisibilidades, mas jamais falam clichês, pois guardam conosco uma conexão de tipo raro. A estes deixo um bocado de lembranças e mais um tanto de expectativas.
Rafa Lungwitz, que me conhece desde o tempo em que os amigos tocavam a campainha da casa dele e saíam correndo, um amigo de ler cartas de tarô, de ser divertido, de acompanhar as diferentes fases da minha vida, mesmo que a distância. Do mesmo jeito eu conheci o João, com quem posso conversar e rir muito, principalmente rir, depois de muito tempo sem vê-lo. Nesse muito tempo atrás eu conheci também o Henrique, com quem compartilho o meu jeito desligado, e a Márcia, sempre inteligente e atenciosa no seu jeito discreto de ser. Antes disso, conheci a Raquel, sempre companheira, com quem compartilhei histórias e histórias de família e que, agora, está ela mesma formando sua própria família.
Outros tempos, outra cidade, outros amigos espalhados por aí, pode ser muito difícil reencontrá-los pessoalmente, digo pode, porque o destino tem dessas de nos surpreender de vez em quando. É o que aconteceu com a Andrea, que conheci em outro Estado, em meio a muitas novidades e que, quase dez anos depois eu vim reencontrar aqui, nessa terra onde nasci, e por fim viemos morar nesse mesmo “Jambalaia Ocean Drive”, que foi o apelido carinhoso e ao mesmo tempo esculachado que demos ao condomínio onde moramos e compartilhamos os perrengues e alegrias do dia-a-dia. Falando em dia-a-dia foi dessa forma que conheci a Cris, a moça que tem a solução para todos os problemas e sabe consertar todas as coisas e que, na sua seriedade tem bons conselhos para dar, embora nem sempre eu os siga. Por aqui também conheci o Luis, o amigo que compartilha meu gosto por comida, ainda que não vegetariano, meu amigo de festas e de fé.
Tem ainda aqueles que estão distantes, mas que se continuam próximos depois da invenção da internet e das ligações de 25 centavos da tim. André Gheti, meu amigo de rock’n’roll e longas conversas sobre filosofia, literatura, história ou Freud, uma amizade que surgiu em meio a muitos jogos de war, muitos discos e um longo tempo de vizinhança. Gabi, com quem eu posso compartilhar todo tipo de ideia nonsense, passando pelos percalços do coração e terminando por falar de teorias da física e de astronomia, tudo isso depois de falar da última balada, ou quem sabe, estar nela. Nilcéia, minha amizade mais inusitada, não nos parecemos e compartilhamos tudo. Thiago Alboreto, apelidado dedo, pra falar sobre arte, muita, muita arte, pra cerveja, muita, muita cerveja. Usei tanto muito pra caracterizar a personalidade marcante desse meu amigo, que nos acompanhava, eu e Gabi, nas conversas nonsense, pra no final das contas dizer coisas bonitas que tocam o fundo da alma. Exagero! Só que exagerada mesmo é a Helô no glamour e na decadência de Heleninha Roitman, como ela mesma lembrava, ainda assim sem perder a elegância.
Não existe uma pirâmide da amizade na qual alguém estaria no topo, mas a mais parecida comigo é a Jeniffer, bom nem tanto assim, digamos que ela seria a minha versão, infinitamente mais paciente. É pra quem eu ligo quando acontece algo inusitado, ou quando eu preciso de um conselho, ou ainda quando estou entediada. É a amiga de compartilhar literatura, da boa, e bons filmes, clássicos ou não, que já ouviu quase todos os meus vinis, com quem eu já tomei muitos cafés, um hábito que começou na companhia da Vivi. Nem vou falar das alegrias e desilusões, pois nem são tão absurdas assim, acho que queremos o que a maioria das pessoas quer, da nossa maneira excêntrica.
Agora a minha ideia faz realmente sentido. Não, a vida não é uma viagem e as pessoas não são bagagem. Amigos não são bagagem, não são para ser carregados com as mãos, para pesar e se abandonar na estação ou no canto de um quarto qualquer, como fazemos com as malas. Amigos pertencem ao coração, pois como diz a música, “eu sou, eu sou, eu sou amor da cabeça aos pés”.

Esfinge

Dúvidas, dúvidas... o tempo passa e eu ainda não tenho respostas para algumas situações que a vida oferece... e esse é o grande problema de todo mundo, não só meu. São os enigmas da esfinge que sempre acabam nos devorando. Como sempre, faço o meu melhor e rezo pedindo para que o que for me fazer bem, me fazer feliz, permaneça e crie raízes, de tudo mais não tenho mais medo de me despedir. Agradeço por todas as situações e pessoas que passam pela minha minha vida, pois me fazem alguém melhor, e se não fizerem melhor, tornam-me mais forte. Talvez o mais importante não seja ter todas as respostas, mas sim, dormir tranquilamente, acordar sabendo que uma nova semana começa e tomar café enquanto penso que sempre haverão novos passos, novos risos, novos planos, e muitos encontros e desencontros por aí. Essa é a minha caminhada, a viagem que ninguém pode fazer por mim, talvez eu não saiba o destino, mas ainda posso escolher a bagagem que eu vou carregar, para que o caminho fique mais leve.