segunda-feira, 9 de abril de 2012

Somos quem podemos ser

Minha tristeza tem uma origem que se for estritamente examinada,
pode prejudicar a minha condição financeira. Como eu dependo da
Gravura no presente, [...] Eu encontro por todos os lados objeções
para fazer qualquer coisa além da simples servidão aos negócios &
as intimações de que se eu não me limitar a isso eu não viverei.
Esta idéia sempre me perseguiu.
      Em 1802 William Blake escrevia estas palavras em uma carta endereçada a seu patrono Thomas Butts, para dizer o quanto ele se sentia limitado por ter que trabalhar como gravurista comissionado e não ter tempo para trabalhar em seus próprios projetos artísticos. Com o objetivo de ultrapassar as limitações econômicas e afirmar a sua obra como genuinamente artística, William Blake criou os Illuminated Books, obras compostas por poesias e desenhos, feitos pelo próprio autor em chapas de metal e depois transpostos para o papel. Com esses trabalhos ele superava as divisões existentes no mercado editorial entre o trabalho do escritor, do tipógrafo e do gravador. É importante lembrar que as imagens não eram apenas ilustrações para os poemas, mas dialogavam com eles para construir diferentes significados. Blake também costumava alterar a ordem dessas chapas, assim como inseria diferentes poemas e imagens nas diferentes cópias dessas obras e, como cada cópia é única, logo não existem cópias, mas sim, diferentes versões do trabalho de Blake, diferentes obras.
     Criar! Eis o significado da arte para William Blake, e ele viajou com essa proposta até os lugares mais inóspitos da fantasia, criando uma série de personagens que chegam a formar uma mitologia completa, intitulada pela crítica de "mitologia blakeana". Hoje, reconhecido como um dos maiores artistas de seu tempo, que inclusive atuou e foi reconhecido em diferentes áreas como a poesia e a pintura, o talento de William Blake permaneceu praticamente ignorado por seus contemporâneos. Blake viveu como gravador, produzindo ilustrações sob encomenda para o mercado editorial. A gravura, naquele tempo, passou a ser classificada como um trabalho meramente reprodutivo, por ser feito a partir de uma figura pronta e gerar diversas cópias, algo totalmente diverso da arte genuína e única, a pintura. William Blake frequentou a Academia Real de Artes, mas sendo um gravurista não poderia se tornar um membro pleno, privilégio concedido aos pintores, vistos como os verdadeiros artistas. Blake chegou a expor alguns trabalhos, que foram vistos pelos críticos como grosseiros, algo totalmente distante da arte clássica em voga. A Academia virou as costas para William Blake, então ele também virou as costas para a Academia. É como se ele dissesse, e não consigo encontrar expressão melhor que essa grosseira, "foda-se se vocês pensam que isso que eu faço não é arte, eu vou continuar fazendo mesmo assim e vou fazer muito melhor do que vocês". Enquanto os grandes artistas diziam que Blake não era nem criativo e nem talentoso, ele dizia ao mundo "eu sou, vocês é que não são". Isso é louvável, posso dizer, mas custou caro. Sua imaginação e gostos peculiares fizeram com que o artista andasse a vida toda lado a lado da pobreza, por isso a arte que ele amava e queria produzir, entrava em conflito com as necessidades de sobrevivência e as gravuras comissionadas. O dever e o desejo sempre em conflito. E nós? Quantos de nós talvez não vivamos como William Blake? Quando você era criança, o que você queria ser quando crescesse? E o que você se tornou? Quando você está sozinho no seu quarto a noite, por um acaso tem um rolo compressor no peito dizendo pra você o que deve fazer no dia seguinte? Quantas vidas são desperdiçadas em nome da necessidade, do tempo e do espaço? Como resposta a esse conflito Blake nos apresentou uma prece. Sua obra é capaz de compor uma prece libertadora feita em nome da imaginação. Que a imaginação nos tome, nos salve e nos leve para bem longe daqui, por amor ou caridade. Amém!

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