domingo, 23 de outubro de 2011

Algumas das minhas paixões e a minha pesquisa


            Na semana passada estive em Londrina para participar do V Seminário de Pesquisa do Programa de Pós-Graduação em História Social da UEL. Como muitos já sabem, este ano eu terminei, finalmente, o meu mestrado em História Social na UEL, no qual eu trabalhei com a interpretação de William Blake das transformações sociais que ocorriam na Inglaterra com a revolução industrial. O objetivo da minha participação no seminário de pesquisa foi comentar e trajetória e o resultado da pesquisa que resultou na minha dissertação. Participei de uma mesa redonda representando a linha de pesquisa "Cultura, Representações e Religiosidades" junto com outros dois ex-alunos do programa, o Gilberto da linha de pesquisa "Territórios do Político" e o Ademar da linha de "Ensino de História".
 Não escrevi antes sobre o evento da UEL pois essa semana foi bem corrida, especialmente por conta da viagem pra Londrina. Saí de Sorocaba na segunda de manhã e voltei de Londrina no dia seguinte e quando cheguei só deu tempo de tirar um cochilo e ir pra escola dar aula. Enfim, passei a semana quebradona e pra ajudar ainda teve o início do horário de verão. Agora eu deixo aqui um pouquinho do que eu falei na UEL e alguns outros comentários sobre o trabalho que eu não fiz lá. 
Há quem compare os trabalhos acadêmicos, seja monografia, dissertação ou tese, ao nascimento de um filho. Há um ditado popular também que diz que “ser mãe é padecer no paraíso”. Eu não tenho filhos, mas escrevi uma dissertação. E, se há alguma semelhança entre ter um filho e a produção de um trabalho acadêmico, levando em conta o ditado popular, esta semelhança é que é um trabalho difícil, muitas vezes sofrido, mas que fazemos com amor e que no final acaba sendo extremamente compensador. 

Um aprendizado importante ao longo do meu trabalho foi o de que não há como desvincular a nossa pesquisa daquilo que somos. Os nossos interesses pessoais acabam orientando a escolha do tema, procuramos muitas vezes também refletir sobre as nossas próprias dúvidas e inquietações. A paixão acaba sendo muito presente em nosso trabalho, ainda que a historiografia exija uma certa distância, devido à natureza crítica que deve compor o nosso trabalho.
            No meu caso, em particular, a poesia sempre foi uma paixão. O gosto pela poesia veio antes da graduação em história, que por fim, acabou se revelando uma nova paixão.Antes do projeto de pesquisa que buscou compreender a relação entre a poesia de William Blake e o seu contexto histórico, eu fui uma leitora e apreciadora da poesia do Blake. E, por isso, eu gostaria de dizer aqui como eu conheci William Blake. Bom, antes de contar como eu conheci o Blake, preciso dizer também que eu sempre fui fã do rock’n’roll, nas suas mais diversas vertentes. E, quando eu tinha por volta dos meus quinze anos uma das bandas que eu mais ouvia era “The Doors”. Um dia eu estava lendo uma biografia do Doors e li que a idéia do nome “The Doors” (que traduzindo seria “as portas”) veio de uma frase de um poeta chamado  William Blake e a frase era a seguinte: “Quando as portas da percepção forem limpas, as coisas irão surgir como elas realmente são, infinitas”. Eu achei essa frase muito bonita e, então quis saber um pouco mais sobre esse tal William Blake.
Descobri então, que além de poeta, ele foi também gravador e depois de ver algumas das imagens feitas por ele, fiquei um pouco mais curiosa sobre o trabalho desse artista, pois as imagens também eram fascinantes. 


O primeiro livro do William Blake que eu li, ainda na minha adolescência foi “O matrimônio do céu e do inferno” e, embora muito do trabalho nessa época tenha permanecido estranho para mim, gostei muito da série de aforismos intitulada “provérbios do inferno”. Algum tempo depois, encontrei numa livraria em Sorocaba, outro trabalho do Blake e outro também que está entre os mais lidos e comentados do poeta, “As canções da inocência e da experiência”. Depois de folhear o livro por alguns minutos, eu tive que comprar. Mal sabia eu o quanto esse trabalho ocuparia o meu tempo e o quanto ele se tornaria importante pra mim. Na introdução desse livro, escrita pelo tradutor, há alguns comentários sobre a vida, a obra e o contexto em que viveu William Blake. E sobre a relação entre a obra do Blake e o seu contexto histórico havia alguns comentários sobre a crítica feita por Blake à industrialização, a personagens presentes na sociedade industrial, que podemos perceber em poemas como “O limpador de chaminés” e “Londres”.
 O tempo passou e, eu mais uma vez seguindo a paixão, vim pra Londrina estudar história. Em 2005, no segundo ano da minha graduação, logo no início do ano, eu reli “As canções da inocência e da experiência”. Então, me veio a idéia, por que não estudar a relação entre o trabalho do Blake e a sociedade industrial? Por que não fazer um projeto de pesquisa? E foi o que eu decidi fazer.
 Com uma vaga idéia na cabeça e nada escrito no papel fui procurar quem poderia me orientar nessa empreitada. Foi então que soube que a professora Silvia Martins, que então era a nossa professora de História do Brasil, trabalhava com literatura, e fui conversar com ela:
- Quero trabalhar com a poesia do William Blake, gostaria de fazer um projeto de pesquisa estudando as críticas à sociedade industrial que estão presentes na poesia dele.
A Silvia achou a idéia interessante, e então perguntou:
- Você sabe inglês?
- Não o suficiente pra ler textos em inglês, mas eu aprendo. – Eu disse.
Silvia concordou em me orientar e assim começou a minha pesquisa sobre William Blake, que como todas as pesquisas, teve dificuldades a vencer e, no meu caso, estas dificuldades incluíram o fato de ter que aprender inglês. Esse meu projeto rendeu frutos que foram além da graduação, tornando-se também o tema do meu mestrado em História Social na UEL. 
Agora, que já falei sobre como eu conheci o Blake e como começou minha pesquisa sobre ele, vou falar brevemente da biografia deste artista, porque assim como eu não me desvencilhei daquilo que eu sou pra escrever o meu trabalho, a arte de William Blake está profundamente vinculada à quem ele foi, e para relacioná-la à sociedade industrial eu parti dessa premissa. 
William Blake nasceu em Londres, em 28 de novembro de 1757. William era o segundo, dos cinco filhos de Catherine e James Blake, pequenos comerciantes, que assim como o poeta se interessaram pelas dissidências protestantes que cresciam no século XVIII. Blake, foi poeta e gravador. A imaginação singular do artista se manifestou desde cedo através de “visões”, que mostraram muito de seu pensamento religioso, de suas concepções artísticas e de sua visão social. 
Blake não recebeu uma educação literária formal, mas recebeu algum preparo como artista plástico, freqüentou um curso elementar de desenho e, por um breve período, a Academia Real de Artes (Royal Academy of Art’s Schools of Design). Blake foi classificado na academia como gravurista, trabalho que foi visto pelos membros da mesma como meramente reprodutivo e artesanal, diferente da pintura e escultura, que eram vistas como verdadeiramente criativas e artísticas. 
Em 1782 Blake se casou com Catherine Boucher, a quem ensinou a ler, escrever e pintar. Catherine o auxiliaria posteriormente no lento e trabalhoso processo de elaboração de seus Illuminated Books (obras compostas de poesia e desenho ambos feitos e editados pelo autor).
Em 1785, Blake abandonou a academia sem concluir os seus estudos, alguns anos depois desenvolveu um método diferenciado de produzir gravuras, que o permitia fazer modificações nas placas prontas. Essas gravuras foram associadas aos seus poemas para produzir o que posteriormente foi chamado de Illuminated Books. Através destes trabalhos, Blake buscava afirmar a natureza criativa de sua obra, ao mesmo tempo em que superava as divisões de trabalho existente no mercado editorial.  As “Canções da inocência e da experiência” fazem parte desse conjunto de obras. 
Os trabalhos literários de Blake não foram muito conhecidos em vida. Ele trabalhou como gravador até pouco antes da sua morte, em 1827, devido a uma doença no fígado causada muito provavelmente pelos vapores nocivos que o artista inalou ao longo dos anos de trabalho como gravurista. 
Bom, esta é uma parte das coisas que eu falei no seminário de pesquisa da UEL. Para encerrar eu digo aqui que Blake teve as suas paixões, pelo desenho, pela poesia, política e religião. Eu também tive as minhas paixões, e elas acabaram me levando a trabalhar com William Blake.


Um comentário:

  1. Oi, Flávia, lendo seu texto me lembrei de um trecho do Bloch em "A apologia da história"

    "[...] Na verdade, conscientemente ou não, é sempre a nossas experiências cotidianas que, para nuançá-las onde se deve, atribuímos matizes novos, em última análise os elementos, que nos servem para reconstituir e imaginar o passado: os próprios nomes que usamos a fim de caracterizar os estados de alma desaparecidos, as formas sociais evanescidas, que sentido teriam para nós se não houvéssemos antes visto homens viverem? Vale mais substituir essa impregnação instintiva por uma observação voluntária e controlada. Um grande matemático não será menos grande, suponho, por haver atravessado de olhos fechados o mundo onde vive. Mas o erudito que não tem o gosto de olhar a seu redor nem os homens, nem as coisas, nem os acontecimentos, merecerá talvez, como dizia Pirenne, o título de um útil antiquário. E agirá sensatamente renunciando ao de historiador.” (p. 65-66)

    Tem também um trecho do Nietzsche em "Fado e história", ou na "II Intempestiva" que ele diz o seguinte: “[...] não tentarei me desculpar ocultando que, na maioria das vezes, retirei somente de mim as experiências que estão na origem destes sentimentos torturantes e que somente usei as experiências dos outros para fins de comparação” (p. 69).

    Parabéns Flávia, infelizmente não deu para assistir sua apresentação. Mas o texto deu uma boa ideia do que foi o evento... ainda mais que a fotografia ajuda a visualizar.

    Abraço
    Maria

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