Posso
afirmar que os recentes eventos ocorridos no Instituto Royal tomaram uma
visibilidade e proporção maior que os próprios ativistas esperavam. Eles,
ativistas, já estavam lá muito tempo antes das manifestações e do ato que
culminou em gaiolas abertas, canis vazios e muitos snoopys a procura de um lar
distante do ambiente hostil de um laboratório. Digo que os ativistas já estavam
lá muito antes de estarem fisicamente, pois há muito tempo buscam debater e
divulgar o significado da vivissecção e seus desdobramentos em nosso mundo, não
apenas para os animais, mas principalmente para os seres humanos. São os
animais que tem o corpo aberto, mutilado, deformado, mas quem pratica todos
esses atos somos nós, seres humanos. Podemos praticá-lo com o discurso nobre de
que é um mal necessário, pois se não fosse dessa forma, a descoberta do
tratamento e cura de muitas das doenças que afligem os nossos companheiros de
espécie não teriam sido descobertas e muitas outras não serão, caso animais não
sejam mais usados em atividades de pesquisa. E quem sabe não seja você mesmo
uma dessas pessoas a precisar de um desses tratamentos, ou sua mãe, seu filho
ou irmão. Nós, no entanto, continuamos praticando esse ato de crueldade chamado
vivissecção por motivos bem menos nobres como deixar a casa cheirosa com nossos
produtos de limpeza ou tornar a pele macia e parecer dez anos mais jovem com as
últimas invenções da indústria cosmética.
A grande notícia para os desavisados é que métodos
substitutivos já existem, sendo apontados inclusive, em diversos casos, como
mais eficientes do que a vivissecção. Os ativistas têm acompanhado os debates
acerca de alternativas e métodos substitutivos aos testes em animais, da mesma
forma que pressionam as autoridades para que tenhamos leis e ferramentas mais
eficazes para punir os crimes de maus tratos contra animais. Eles têm dialogado
com seus semelhantes para que consigamos passar a ver os animais realmente como
seres e não como propriedade, por isso, há muito tempo já estavam lá no
Instituto Royal e tantos outros espaços semelhantes que existem por aí.
É um tema polêmico, sem dúvidas, e que suscita entre as
pessoas debates apaixonados e opiniões muito diferentes. Voltando um pouco na
linha do tempo podemos encontrar temas que causaram reações semelhantes, tudo
porque nós humanos não conseguimos viver sem o que denominamos moral e ética,
sendo que ambas dependem do tempo, do espaço, e da relação que as pessoas
estabelecem entre si, adquirindo contornos diversos em cada época, lugar e
cultura existente. O conceito de moral está relacionado aos costumes, às regras
que seguimos diariamente sem pensar muito a respeito, é o que sabemos
intuitivamente estar certo ou errado. Já a ética pode surgir como uma espécie
de crítica a nossa moral, da investigação dos nossos comportamentos e valores,
para que de forma racional sejamos capazes de direcionar o nossos valores. É
certo que nós nos afogamos no cotidiano, no nosso universo conhecido e temos
uma certa dificuldade a nos abrir para novidades, ainda que o futuro prove ser
algo muito positivo para nossa vida. Certa vez ouvi uma história sobre a
invenção do telefone. Quando Graham Bell inventou o telefone e foi mostrar sua
descoberta, disseram-lhe que aquilo era realmente muito interessante, mas que
seria algo totalmente inútil visto que no mundo já havia telégrafos, que eram
meios de comunicação excelentes e que já havia trens que tornavam as viagens e
os contatos entre as pessoas muito mais rápidos. De forma semelhante quando os
Beatles surgiram havia quem pensasse que as bandas de rock seriam uma moda
passageira, e que não valia a pena investir em mais uma delas. Eu agradeço
todos os dias por existir quem pensasse o contrário, porque o Abbey Road e o
White Album são alguns dos melhores discos que eu já ouvi.
Nós, seres humanos, também temos uma dificuldade muito grande
em lidar com as diferenças, ainda que os diferentes sejam a maioria entre nós.
Valorizamos tanto os nossos semelhantes e sequer pensamos em que tipo de
semelhantes gostaríamos de ter. Um médico que desdenha um animal porque ele não
é importante, e o trata como simples ferramenta, pode pensar também que um
homem pobre não é importante, pois existem tantos outros por aí. Alguns
escândalos no serviço público de saúde podem nos levar a pensar algo assim.
Reconhecer que os animais merecem respeito, que sua integridade física deve ser
preservada e que os maus tratos contra eles praticado não deve ser considerado
menor do que aqueles praticados contra uma pessoa, é reconhecer que todos
fazemos parte da mesma terra e que aquilo que é feito com o outro me diz
respeito também, altera a minha vida e daqueles ao meu redor.
Tenho fé nos sonhadores e nas maravilhas causadas pelas
transformações do tempo. Os ativistas que levaram os cães do Instituto Royal
podem ser acusados de furto, visto que aqueles cães eram uma propriedade da
empresa, e que esta teria o direito de fazer o que quisesse com as suas
propriedades. Quem sabe o evento seja o indício de que cães não são bens
móveis, contradizendo as outras afirmações, pois quem tem um cão em casa sabe
das necessidades físicas e de afeto que esse animal possui. A própria ideia de
propriedade é bastante interessante aqui, lembro-me de ler durante o meu curso
de história a Constituição de 1824, e não havia nela sequer uma linha que
mencionasse a palavra “escravo”, até porque quando ela foi redigida isso não
foi considerado necessário. Todas as questões relativas à escravidão eram
resolvidas através da ideia de propriedade, levou muito tempo para que o nosso
país reconhecesse algo tão óbvio como o fato de que pessoas não são
propriedades, creio que de agora em diante o nosso desafio é provar que os
demais seres vivos também não são.